16 de dez. de 2014

“Do contemplar ao Servir: em busca do sentido do Natal”

Um milionário solitário resolve alugar uma família para o Natal. Preço do aluguel: U$ 250.000. Esse é o enredo do filme “Sobrevivendo ao Natal”. Por que ele fez isso? Para poder sentir-se acolhido na noite de Natal. Parece estranho, não é? Mas, a verdade é que essa comédia acaba revelando a solidão enfrentada por tantas pessoas na vida real. E isso se intensifica nessa época natalina, acabando por encobrir seu real significado. As pessoas se ocupam com faxinas e decorações, envolvem-se em correrias para lojas superlotadas e para supermercados com muitas filas, correm atrás de pisca-piscas, mas isso só contrasta com a vinda do Salvador, que chegou na simplicidade e na sujeira de uma estrebaria, na escuridão da noite.

Lucas nos conta (Lc 2.8-19) o que aconteceu logo depois do nascimento de Cristo. Um anjo visita alguns pastores que acampavam com suas ovelhas perto de Belém. No frio silencioso daquela madrugada, esse anjo anuncia o nascimento do Salvador, o Cristo (v. 11). Que interessante! Os primeiros a ouvir sobre o nascimento do Salvador foram pastores de ovelhas, considerados naquela época a classe mais desprezível da sociedade. Ao ouvirem a boa notícia dos anjos, eles em seguida deixam seus rebanhos e vão procurar Jesus, que ainda se encontrava na estrebaria, envolto em panos e deitado na manjedoura (v. 12, 15 e 16). Com certeza, encontrar o Salvador da humanidade foi comprovação visível das palavras do anjo. Dá até para imaginar os joelhos dobrados, o louvor, a adoração que tomaram conta daquele humilde local.

Mas a história não termina com esta cena. A manjedoura não era local de peregrinação. O texto nos conta que depois de o verem, contaram a todos o que lhes fora dito a respeito do menino e todos os que ouviram o que os pastores diziam ficaram admirados (v. 17-18). O encontro com o Salvador levou os pastores ao encontro de outras pessoas. Olhar para o menino Jesus os levou a olhar para fora da estrebaria. A contemplação resultou em serviço, a fim de que outras pessoas também tomassem conhecimento do nascimento do Salvador.

No Natal celebramos a vinda de Jesus, verdadeiro Deus e verdadeiro homem, a este mundo. Mais tarde, mediante sua morte e ressurreição, ele haveria de vencer a morte e o inferno a favor de todos os que nele cressem. Essa mensagem não pode ficar presa entre as quatro paredes de nossas igrejas. Pelo contrário, somos chamados a proclamar a mensagem do reino de Deus em nossas famílias, circulo de amizades, ambiente de trabalho, e assim por diante.

Quantos lares irão passar o Natal como se fosse outro dia qualquer? Quantas serão as pessoas carentes de acolhimento, de sentido para a vida? Quantos serão os lares em que o Natal é uma mera celebração cultural?

O verdadeiro Natal está em Cristo, que assumiu a maldição do pecado em nosso lugar. Assim afirma o apóstolo Paulo: Àquele que não conheceu pecado, o fez pecado por nós; para que nele fôssemos feitos justiça de Deus (2 Co 5.21). Na manjedoura do pobre menino já se vislumbra a cruz, que é onde encontramos a reconciliação com Deus, com o próximo e com a criação. Este é o presente de Natal que o mundo precisa conhecer e receber.

Lutero anima os cristãos ao serviço: “Quando tens a Cristo como fundamento e bem maior da tua felicidade, segue outro ponto: que o tomes como exemplo e também te ofereças para servir ao teu próximo, assim como vês que ele se ofereceu por ti” (“O que procurar nos evangelhos”, de 1522).

Que seu Natal seja celebrado em família, em confraternização. E que, a partir do encontro com Cristo, sua vida se torne repleta de proclamação dessa boa nova e de serviço ao próximo. Afinal de contas, o preço que custou a obra salvífica de Cristo foi muito maior do que os U$ 250.000 pagos pelo personagem milionário para ter uma ilusão de acolhimento. O preço que Deus pagou foi o da vida do seu filho único, por amor de toda a humanidade.

Que Deus lhe abençoe neste Natal. Que você tenha um feliz Natal!

André Felipe Voge
São Bento do Sul andre-vogel@hotmail.com

4 de dez. de 2014

A reconciliação passa pelo perdão

Francisco é dono de uma empresa. Ele convida um amigo de confiança, o Wilson, para ajudá-lo. Francisco assume a responsabilidade pela produção, e Wilson pelas compras e vendas. Com o passar do tempo, sem que Francisco fique sabendo, Wilson começa a usar recursos da empresa em benefício próprio. Os desvios chegam a tal proporção que a empresa foi à falência. Com inúmeros credores fazendo pressão para receber seu dinheiro, Francisco acabou indo para a prisão. A família, a muito custo, foi se desfazendo de todos os bens, para que, juntamente com Francisco, pudessem recomeçar a vida. Haviam perdido a confortável casa, os filhos não puderam freqüentar boas escolas, muito menos a faculdade. Isso sem contar a dor da humilhação e da decepção. Feridas muito profundas foram causadas pela irresponsabilidade do Wilson, o amigo de confiança!

Esta história é fictícia, mas não inverossímil. Ela levanta a pergunta: é possível perdoar um amigo que lesou não apenas a honra do outro, mas o conforto doméstico, a formação, a segurança e o futuro dos filhos do amigo? Lembremos que perdoar não é esquecer (isto seria amnésia); nem restituir completamente a confiança (isto seria insanidade); nem deixar de reconhecer o erro de outro (pois isto significaria cumplicidade). Num caso como esse, seria possível haver novamente paz entre estes amigos? É possível reconciliar? Sim, é possível. Ensinamos, a partir da sabedoria bíblica, que o ser humano reconciliado com Deus também busca a reconciliação com o próximo. Vejamos como isto acontece.

A palavra reconciliação significa o restabelecimento de acordo, ou paz, entre dois indivíduos quem viviam numa relação de hostilidade, inimizade. A Bíblia relata que houve uma ruptura entre Deus e a humanidade no Jardim do Éden (Gênesis 3), quando Adão e Eva se rebelaram contra Deus. Porém, a Bíblia afirma que Deus nos reconciliou consigo mesmo por meio de Cristo (2Coríntios 5.18). A sabedoria bíblica, então, nos lembra que Deus deu o primeiro passo em direção ao ser humano a fim de que a rebeldia deste contra o próprio Deus fosse eliminada. Em Cristo, Deus nos reconciliou consigo mesmo. Agora temos paz com Deus (Romanos 5.1).

O perdão recebido de Deus tem conseqüências concretas nas relações com o próximo. A reconciliação com o próximo é fruto da reconciliação de Deus conosco. Foi isto que Jesus ensinou quando, no “Pai-nosso”, instruiu seus seguidores a pedirem: E perdoa as nossas dívidas assim como perdoamos nossos devedores (Mateus 6.12). O perdão é a porta aberta por Deus para a reconciliação com o próximo.

Concluo lembrando um pequeno texto escrito por Mary Karen Read em seu diário, antes de ser assassinada por um atirador no dia 16 de abril de 2007, junto com mais 30 colegas, professores e funcionários de uma escola no estado da Virgínia/EUA: Quando feridas profundas são feitas contra nós, nunca nos curamos até que perdoamos. O perdão não muda o passado, mas o perdão amplia o futuro.

P. Joel Schlemper – São José/SC 
 joelschlemper@gmail.com

20 de nov. de 2014

Ser sal e luz é o caminho na política

Você já foi ou pensa em ser candidato a algum cargo eletivo? É. Isto mesmo. Ser candidato a vereador, prefeito, deputado, senador, governador ou presidente? Você já pensou nisto? Estás louco!... Você pode estar pensando. Isto não é coisa para gente séria!

Pois é, infelizmente este é o conceito de muita gente. De que política não é coisa para gente séria. O que esperar dos nossos governantes se é este, muitas vezes, o conceito que temos?
 Nas últimas eleições me chamaram a atenção dois fatos: a apatia e o desrespeito dos eleitores.

A apatia no sentido de não querer participar, não querer conhecer, não querer entender, não querer diferenciar. Fico me perguntando: como vou escolher consistentemente os meus representantes nos poderes legislativo e executivo, nas esferas nacional e estadual, sem me envolver com o processo?

Parece-me que muitos perderam a consciência de que no Brasil é o povo que elege os seus governantes. A Constituição afirma, em seu capítulo primeiro, que “todo o poder emana do povo”. Estamos exercendo esta oportunidade?

A apatia foi tanta que não existia muito clima para falar de eleição e pedir voto. Reuniões foram muito esvaziadas; comícios foram raros. Entendo... O conceito de muitos foi que os políticos “são tudo igual”, “tudo farinha do mesmo saco”, “são tudo corrupto”, “estou desacreditado da política”... e assim por diante.

Entendo... mas pergunto: Estes sentimentos ajudam a termos políticos dignos da nossa representação? O desrespeito no sentido de não conseguir dialogar com o diferente e com as diferenças também apareceu muito forte. Ele ficou bem evidenciado no segundo turno da eleição presidencial e no pós-eleição. Chegou-se a expor sentimentos de preconceito e de ódio surpreendentes, especialmente nas redes sociais.

Não preciso relembrar o que lemos, vimos e ouvimos durante o processo. Quero reforçar, aqui, que não falo do comportamento dos candidatos, apesar deles também terem sua parcela de responsabilidade sobre o processo. Estou falando de nós, eleitores, cidadãos comuns, de onde emergem os políticos e governantes.

Nós, cristãos luteranos, acreditamos que “somos sal da terra e luz do mundo”. Sal para dar sabor (ser um tempero) ou para matar? Luz para mostrar o caminho ou para cegar? Acredito que seja para dar sabor e para mostrar o caminho.

Para sermos sal e luz na sociedade precisamos nos envolver na política. Posicionando-nos consistentemente frente à complexidade social e política é um bom começo. Na atualidade, especialmente com o advindo das redes sociais, com uma quantidade enorme de informações a ser processadas, muitas vezes ficamos na superficialidade.

Ser sal e luz na dose certa é o desafio. Envolvendo-nos, de forma consistente e respeitosa, possibilitaremos que pessoas de bem estejam dispostas a exercer cargos públicos. Semear palavras de tolerância, amar ao próximo, não julgando suas práticas e escolhas (pois cabe somente a Deus julgar), mas acolhendo-o em nossas comunidades e mostrando o caminho do Evangelho.

Apatia e desrespeito com a política e os políticos fortalecerão exatamente aquilo que não queremos: o político interesseiro e corrupto.
Quero ver pessoas de bem se envolvendo na política, inclusive sendo candidatos vitoriosos, exercendo os cargos eletivos. Se quisermos uma sociedade mais justa e solidária precisamos começar por cada um de nós.
Glauco Lindner
Lontras - SC

10 de nov. de 2014

Nossa Cidadania

Nos últimos meses o nosso país viveu mais um processo eleitoral. Como cidadãos brasileiros, fomos chamados a escolher nossos representantes políticos. O debate sobre quem seriam os melhores candidatos tomou conta das conversas, também nas redes sociais. Agora, já sabemos quem irá governar o nosso estado e país pelos próximos quatro anos.

Porém, nosso compromisso não para por aí. Independente se os candidatos que apoiamos foram eleitos ou não, como cristãos somos desafiados por Deus a buscar o bem do lugar onde vivemos: Trabalhem para o bem da cidade para onde eu os mandei... Orem a mim, pedindo em favor dela, pois, se ela estiver bem, vocês também estarão. (Jeremias 29.7 – NTLH).

Encontramos dois desafios práticos nesta palavra. O primeiro é trabalhar para o bem da cidade. Através de Jeremias Deus detalhou de maneira concreta como isso deveria ser feito: significa ter um estilo de vida honesto, justo e digno, valorizar e zelar pela família; entender o nosso trabalho não apenas como um meio de ganhar dinheiro, mas também de servir a sociedade. Significa também envolver-se em iniciativas e trabalhos sociais que busquem melhorar a qualidade de vida da população. O engajamento político também pode ser útil e importante de contribuir para o bem do meio onde vivemos. Porém, devemos empenhar-nos orientados pelos ensinos bíblicos. Não se pode entender a participação política como meio para alcançar benefícios pessoais ou de um grupo específico, nem aderir à cultura que espera que tudo vá de mal a pior, se o meu candidato não ganhar as eleições. Não podemos concordar com esse pensamento, pois ele prejudica o povo todo. 

Outro aspecto é a oração em favor da cidade. O apóstolo Paulo ensina: Orem pelos reis e por todos os outros que têm autoridade, para que possamos viver uma vida calma e pacífica, com dedicação a Deus e respeito aos outros. Isso é bom, e Deus, o nosso Salvador, gosta disso. (1Timóteo 2.1-3 NVI). Nossa tarefa é, pois, orar pelos governantes para que sejam justos e honestos e governem para o bem de todos, para que não se deixam dominar pelo poder e ganância e tornem-se negligentes para com suas responsabilidades. A população sofre quando as autoridades não cumprem a sua tarefa e nós, cristãos, também não cumprimos a nossa. Achamos mais fácil confiar numa pessoa que se apresente como salvadora da pátria do que no poder da oração. 

Quando ambos, cristãos e governantes, cumprem o seu papel na sociedade o resultado pode ser diferente. Paulo nos chama a orar para que tenhamos uma vida tranquila e pacífica, com toda a piedade e dignidade, pois essa é a vontade de Deus. 

Joelson Erbert Martins – São José - SC 
martaejoelson@oi.com.br

6 de nov. de 2014

Porque não comemoramos o dia das bruxas

Edição especial 03Os quatro pilares da reforma

No dia 31 de outubro comemoramos os 497 da Reforma Protestante. Logo chegarão as celebrações dos 500 anos. Inegavelmente, a Reforma foi um dos grandes acontecimentos na cultura ocidental. Sua contribuição para a teologia, política, economia e educação mudou profundamente o pensamento de milhões de pessoas. Lutero nunca imaginou que o ato de pregar as 95 teses na porta da igreja do castelo de Wittemberg, em1517, seria a mola propulsora de grandes e profundas mudanças no curso da história.

Podemos resumir a Reforma iniciada por Lutero em quatro pilares que expressam os fundamentos teológicos que sustentam seu pensamento e nos ajudam na vivência evangélica e bíblica:

1) Solus Christus – Somente Cristo: Como herdeiros da Reforma, fundamentamos a nossa espiritualidade e teologia na centralidade da pessoa de Cristo. Confessamos que somente Cristo salva, somente Cristo perdoa, somente Cristo é o mediador entre Deus e os seres humanos. Jesus Cristo não é "mais um" no panteão religioso. Ele é único e a sua morte na cruz e sua ressurreição são suficientes para completar a nossa redenção. Lutero não inventou essa centralidade de Cristo, pelo contrário, ele a resgatou das Sagradas Escrituras que declaram: E não há salvação em nenhum outro; porque abaixo do céu não existe nenhum outro nome, dado entre os homens, pelo qual importa que sejamos salvos (Atos 4.12).
2) Sola Gratia – Somente a Graça: Cristo é o único Senhor e Salvador e as Escrituras atestam essa verdade. Da mesma forma, a Bíblia afiança que não podemos alcançar a salvação pelas nossas obras meritórias. Ou seja, não podemos conquistar o favor de Deus por praticarmos coisas boas e sermos honestos, íntegros e participamos da igreja. É Deus quem vem ao nosso encontro. Ele nos amou primeiro e tomou iniciativa para nos alcançar. Somos libertos da idéia de que nós somos os agentes da salvação e que podemos merecer o amor de Deus pelas nossas atitudes. Deus ama a todos indistintamente. Quem se deixa alcançar por este amor pode viver em plena liberdade para amar e perdoar. Numa sociedade em que tudo é comprado, conquistado pelo esforço e mérito próprio, a mensagem de um Deus que nos aceita e nos ama graciosamente é loucura quase incompreensível. Em Efésios 2.8-9 podemos ler: Porque pela graça sois salvos, mediante a fé; e isto não vem de vós, é dom de Deus; não de obras, para que ninguém se glorie.
3) Sola Fide – Somente a Fé: Esta nova realidade gerada por sermos salvos somente por Cristo e não pelo que fazemos de bom só é experimentada pela fé. A fé não é um sentimento vago, mas a certeza de que aquilo que os nossos olhos não enxergam é real e verdadeiro (Hebreus 11.1). A fé acolhe a graça de Deus e por meio dela vivemos em um relacionamento vivo com Deus. Lutero nos lembra que pela fé vivemos uma dimensão espiritual que não pode ser gerada pelos nossos esforços. Ela é um dom de Deus. O apóstolo Paulo afirma: Porque não me envergonho do Evangelho de Cristo, pois é o poder de Deus para a salvação de todo aquele que crê, primeiro do judeu e também do grego. Porque nele se descobre a justiça de Deus de fé em fé, como está escrito: O justo viverá da fé (Romanos 1.16-17.).
4) Sola Scriptura – Somente a Escritura: Segundo Lutero, o maior tesouro da Igreja é o Evangelho de Jesus Cristo revelado nas Escrituras. Nenhuma tradição, concílio ou qualquer convenção humana pode estar acima das Escrituras ou ao lado dela. A palavra de Deus tem primazia e ela é fonte de todo crescimento espiritual. Ela revela a vontade de Deus e nada pode ser ensinado na Igreja que contrarie essa vontade. As Sagradas Escrituras têm autoridade sobre qualquer assunto de fé e obediência. Com a ajuda do Espírito Santo e tendo como chave hermenêutica a pessoa de Cristo, a herança da Reforma nos compromete a sermos Igreja da Palavra.

Esses quatro fundamentos continuam atuais e em grande medida tornam-se crivos para não adotarmos qualquer ensinamento que contrarie o verdadeiro e puro Evangelho de Jesus Cristo. Lembre-se: ser cristão luterano não é ser um seguidor de Lutero, mas um discípulo de Cristo que tem Nele seu único Senhor e Salvador, que entendeu que somos o que somos pela graça divina, que vive pela fé e se alimenta diariamente da Palavra de Deus.

P. Marcos Antonio da Silva, Curitiba

21 de out. de 2014

Acolher! O que isso significa?

Ninguém acolheu pessoas como Jesus. Esta, aliás, foi uma das marcas de seu ministério. De coração aberto recebeu toda sorte de pessoas machucadas e feridas. Pessoas que haviam perdido o rumo na vida encontraram nele um ouvido atento. Pessoas escravizadas e oprimidas sempre perceberam sua mão estendida. E mesmo quem vivia atolado em pecados não foi rejeitado. Jesus acolhia como ninguém.

Aliás, não há ninguém que possa fazê-lo como ele o fez. Na condição de Criador conhece o ser humano até as entranhas e nem as emoções mais profundas lhe podem ser ocultadas (Salmo 139.13-16). Na condição de Salvador foi tentado em todas as coisas à nossa semelhança e sabe muito bem em que desamparo somos lançados por conta do sofrimento e do pecado. Na condição de Espírito Santo ele consola e nos acolhe em nossas dores mais profundas como nenhum outro é capaz de fazê-lo (João 14.26).

Ao mesmo tempo, se ilude quem imagina e propaga que a atitude de Jesus se limita em acolher. Seria uma ajuda pela metade. Do que adiantaria ir a um médico que apenas nos recebe bem e ouve. Ou procurar um advogado que tão somente nos escuta, mas não aponta um caminho a seguir com a nossa causa. Jesus vai muito além de acolher superficialmente. Ele acolhe num sentido mais profundo.

O paralítico trazido à sua presença por seus amigos (Marcos 2) Jesus acolheu, curou de sua enfermidade e lhe perdoou seus pecados. Ao jovem rico desorientado pelo seu apego aos bens materiais, Jesus o amou e lhe apontou o caminho para encontrar a vida e o tesouro eterno (Mateus 19). O homem dominado por uma legião de demônios Jesus o libertou de sua escravidão e o restituiu à sua família (Marcos 5). Jesus foi o único a acolher a mulher flagrada em adultério (João 8) e lhe mostrou o caminho para uma nova vida.

Paulo, o perseguidor da igreja foi transformado e acolhido (Atos 9). Até mesmo Judas foi acolhido na ceia do Senhor, recebendo a oportunidade de começar uma nova vida. Os Evangelhos nos ensinam que Jesus acolheu pessoas, mas não acolheu seu pecado. Acolher o pecador não significa fechar os olhos para seu pecado, pois é justamente este a causa última e mais profunda de todo o sofrimento humano. Jesus acolhe pessoas como elas são, para dar a elas a possibilidade de experimentar novidade de vida, na medida em que crêem nele.

P. Sigolf Greuel – Florianópolis/SC 
pastor.sigolf@gmail.com

7 de out. de 2014

Saber escutar, acolher, compreender e saber anunciar

Saber escutar, acolher e compreender são habilidades muito importantes no aconselhamento cristão. Sem exercer empatia, o cuidado com pessoas fica comprometido. Sem ela, a pessoa a ser ajudada vai embora com um sentimento de frustração e de vazio existencial. Essas três habilidades são pressupostos importantes da psicologia moderna. Elas ajudam porque, ao sentir-se compreendida, a pessoa fica aliviada por estar em sintonia com quem a compreende e aceita.

Ao mesmo tempo em que aceitamos essa importante realidade, também percebemos que, na perspectiva da fé, ela traz consigo um problema existencial muito sério, pois saber escutar, acolher e compreender não indica direção para fora da aflição. Falta-lhe direcionar para a mudança, ao arrependimento.

Jesus, por exemplo, não se contentava em apenas acolher e compreender as pessoas. A quem demonstrava abertura, Ele também apontava para a possibilidade de mudança, de arrependimento. Para com aqueles que achavam saber tudo e que não estavam abertos a mudanças, Jesus dizia: Ta bem..., já que você sabe tudo, faça isso e viverá (Lucas 10.28).

Quando, porém, encontrava alguém com sede não somente de água, mas de vida, como a mulher Samaritana, Jesus, depois de mostrar carinho e compreensão, apontava para a possibilidade de mudança de vida. Ele disse a ela: Quem beber desta água tornará a ter sede outra vez, mas quem beber da água que eu lhe der nunca mais terá sede. Ao contrário, a água que eu lhe der se tornará nele uma fonte de água a jorrar para a vida eterna. A mulher, sentindo que não apenas era acolhida, mas que Jesus lhe oferecia a possibilidade de uma vida diferente, suspira e diz: Senhor, dê-me dessa água (João 14.13-15).

Já no Antigo Testamento os profetas, ao anunciar a Palavra de Deus, sempre chamam ao arrependimento. Por exemplo, após levar Davi a reconhecer o seu pecado e confessar: Pequei contra o Senhor, o profeta Natã o anima, anunciando-lhe o perdão: O Senhor perdoou o seu pecado. Você não morrerá (2 Samuel 12.13).

Certamente o aconselhamento cristão tem aprendido muito da psicologia. Ela nos ajuda a sermos mais compreensivos, a acolher melhor quem nos procura. O problema é que, muitas vezes, agimos como se fôssemos psicólogos, e deixamos de apontar para o arrependimento e para mudanças que Deus quer operar naqueles que ouvem o Evangelho.

Muitas vezes, também encontramos muitas pessoas que “já sabem tudo”, que não pensam em abrir mão das suas filosofias e “verdades”. Mas pense nas muitas pessoas que encontra que, como a mulher samaritana, estão sedentas de vida. O próprio compartilhar do Evangelho identifica e traz à tona essa sede. Devemos perceber que Deus quer que as acolhamos, compartilhemos com elas as Boas Novas de Jesus. Atitudes de aceitação as encorajam a perguntar da direção que sua vida precisa tomar.

 Jesus diz que somos sal da terra. Isto é, nossa característica é temperar a vida. Com alegria podemos apontar para veredas de luz. Como diz Pedro: Antes santifiquem Cristo côo Senhor em seu coração. Estejam sempre preparados para responder a qualquer pessoa que lhes pedir a razão da esperança que há em vocês (I Pedro 3.15).

P. em. Oziel Campos de Oliveira Jr – Palhoça/SC
ozieljrjr@hotmail.com

19 de set. de 2014

Edição 29 - Os desafios do estudo da Bíblia



Quem convive diariamente com sua Bíblia nem sempre se dá conta de que ela foi escrita há milhares de anos. Sem o perceber faz uma leitura seletiva dela, acolhendo o que entende e do que gosta, mas deixando de lado o que desagrada ou parece complicado. No entanto, ler a Bíblia assim não ajuda a amadurecer na fé em Jesus. E, maturidade é indispensável para enfrentar os desafios que cercam o povo de Deus nos dias de hoje. A seguir quero delinear três aspectos elementares que ajudam no estudo sério e consciencioso das Sagradas Escrituras:

1) Imagine a Bíblia como uma enorme pintura que retrata mais de um milênio da história de Deus com seu povo. Para compreender seus detalhes é preciso que, primeiro, tenhamos uma visão desta pintura toda. Precisamos entender o que une os 66 livros da Bíblia: a) Todos eles descrevem que o ser humano não corresponde ao propósito para o qual fora criado. Pelo contrário, mostram como ele vive em rebeldia constante contra seu Criador. b) A Bíblia também testemunha que Deus se curva com paciência sem igual sobre as suas criaturas rebeldes a fim de resgatá-las para ter comunhão com elas. Estas duas afirmações perpassam toda Bíblia até se cruzarem no Calvário: na morte e ressurreição de Jesus o amor de Deus alcança definitivamente a humanidade atolada no pecado e a resgata para a nova vida como filhos e filhas de Deus. Sem captar e acolher este panorama geral os mistérios da palavra de Deus jamais nos serão revelados.

2) Quem tem clareza e certeza deste panorama geral tira grande proveito em prestar atenção a detalhes do retrato que a Escritura faz. Pois, os profetas e apóstolos escreveram para pessoas de carne e osso que viviam numa época e em ambientes muito diferentes dos nossos. Fizeram-no na linguagem e usaram comparações que conheciam. Nas parábolas, por exemplo, Jesus recorreu ao cotidiano de criadores de ovelhas, agricultores e pescadores da Galileia. Assim, o olhar cuidadoso para o passado faz parte do nosso esforço de captar o que os autores queriam dizer aos primeiros ouvintes e leitores. Isto inclui o estudo das línguas nas quais a Bíblia foi escrita, a geografia, a cultura e a história dos tempos bíblicos. O Manual Bíblico da Sociedade Bíblica do Brasil reúne num livro acessível para qualquer leitor as principais informações garimpadas por estudiosos.

3) Mas saber detalhes sobre o contexto original da Bíblia ainda não nos dá compreensão do que ela tem a dizer a nós que vivemos dois mil anos depois numa sociedade urbana globalizada. Por isto é necessária uma terceira abordagem que identifica o que equivale em nossa cultura àquilo que a Bíblia ensina. Enquanto, por exemplo, não detectarmos que nosso coração é uma fábrica de desejos tão ambiciosos como o coração do povo de Babel, jamais compreenderemos como os nossos anseios, secretos ou declarados, destroem relacionamentos e comunhão. Ou, se vemos nos fariseus meros inimigos de Jesus, aquilo que o Mestre lhes disse jamais nos afetará. Quem, porém, percebe nas atitudes deles as dos “crentes” de hoje, descobrirá que nosso coração sabe cultivar a mesma vaidade piedosa. Lutero e Calvino não hesitaram em fazer estas atualizações ao expor a Bíblia, mas a grande maioria dos comentaristas modernos não se atreve a dar este terceiro passo. Por isto ajudam tão pouco as igrejas no seu testemunho concreto.

Encerro esta breve reflexão com a recomendação de um livro muito precioso: Timothy Keller: A CRUZ DO REI (Vida Nova/São Paulo. 2012). É um livro de leitura agradável e simples que guia o leitor pelo evangelho de Marcos. De modo singelo este pastor de Nova Iorque conecta cada passagem com o cenário bíblico maior; elucida aspectos importantes do contexto de então e atualiza a palavra para o ouvinte moderno. Além de fazer-nos atentar para o surpreendente testemunho do evangelista, também nos exercita nos passos de estudo bíblico acima descritos. Que o Espírito Santo nos dirija em nosso aprendizado. Amém.

Martin Weingaertner, diretor da FATEV 
 weingaertner.martin@gmail.com

1 de set. de 2014

Edição 28: Um Conceito Original de Ser Família

A compreensão estreita que vê a religião apenas como aquela que diz o “que pode” e “o que não pode” interfere na maneira como compreendemos a vontade de Deus também a respeito da família. A Bíblia não é um manual de instruções. Ela contém princípios que nos revelam a boa, agradável e perfeita vontade de Deus. E, o Apóstolo Paulo diz que esta é uma vontade que podemos experimentar. Mas, isso depende de certo inconformismo com o “espírito da época” (Rm 12.2). A vontade de Deus a respeito da família está revelada já no princípio das Escrituras. Lemos em Gênesis 1.27 que “criou Deus o homem à sua imagem, à imagem de Deus o criou; homem e mulher os criou”. Diferente daquilo que costumamos ouvir, o Novo Testamento não revela coisas diferentes, anulando a revelação do AT. A vontade de Deus permanece a mesma. Jesus deixa isso muito claro quando, numa discussão com os fariseus, faz uso daquilo que todos já sabiam: "Vocês não leram que, no princípio, o Criador ‘os fez homem e mulher’ e disse: ‘Por essa razão, o homem deixará pai e mãe e se unirá à sua mulher, e os dois se tornarão uma só carne’?” (Mateus 19.4-5).

Jesus não apresenta nenhuma reinterpretação para acomodar o texto e a vontade de Deus aos “novos tempos”. Ele apenas reafirma a revelação e a vontade original de Deus. Pois é isto que Cristo veio fazer: restaurar o mundo e o ser humano que encontram-se corrompidos pelo pecado. Jamais veremos Jesus justificando o pecado ou propondo uma releitura da Bíblia de modo que se encaixe melhor em nossos padrões.

As distorções, consequências do pecado, obviamente estão aí, por toda parte. Mas, Jesus não autorizou que nenhuma destas distorções fosse colocada como referência legítima para novos modelos. Ele sempre de novo apontou para o Pai, o Criador, a origem de tudo. Aquele cuja vontade é boa, perfeita e agradável! Viver segundo esta vontade é viver conforme a realidade que o Pai desejou!

O Senhor Jesus é aquele que redime também relacionamentos, lares, e famílias! Que possamos nos deixar transformar por sua graça e misericórdia, de modo que experimentemos a boa, agradável e perfeita vontade de Deus para nossas famílias!

16 de abr. de 2014

Edição 27: Chamados para supervisionar?

Deus chama todos os discípulos para trabalhar em seu Reino. Pedro refere-se a isto, quando ele apela aos “mais velhos” na fé para “pastorearem o rebanho de Deus que está aos seus cuidados” (1 Pe 5.1-3).

O raciocínio do apóstolo é simples: à volta de alguém mais velho na fé sempre deveria haver quem está começando a caminhar com Jesus. Por isto recomenda “olhar” pelos irmãos, como no semi-árido da Palestina um pastor atenta para cada uma de suas ovelhas ou como pais amorosos olham por seus filhos pequenos. Não se pode fazer isto “por obrigação”, mas, sim, só “de livre vontade, como Deus quer”. Nem, “por ganância, mas com o desejo de servir”. Tal cuidado também não se exerce “como dominador”, mas
apenas “como exemplo”.

Nestas palavras Pedro passa adiante a tarefa que Jesus lhe havia dado (Jo 21). Ele menciona também quem pode exercê-la: todo aquele que for “testemunha dos sofrimentos de Cristo” e tiver certeza de “participar da glória a ser revelada”.

No entanto, na medida em que as primeiras igrejas cresciam, tornou-se necessário quem olhasse pela comunidade toda. Parece que em Filipos percebeu-se logo esta necessidade. Pois, poucos tempo depois de plantada, Paulo escreve aos filipenses: “Paulo e Timóteo, escravos de Cristo Jesus, a todos os santos em Cristo Jesus que estão em Filipos, com os supervisores e servidores” (Fp 1.1). Supervisor é a tradução literal da palavra grega 'episcopos' que originou nossa palavra 'bispo'. Anos mais tarde, ao despedir-se da liderança da igreja de Éfeso, Paulo também menciona esta função: “Cuidem de vocês mesmos e de todo o rebanho sobre o qual o Espírito Santo os colocou como supervisores, para pastorearem a igreja de Deus, que ele comprou com o seu próprio sangue” (At 20.28).

Por fim, Paulo descreve detalhadamente na carta a Timóteo as qualidades que se deve esperar desta liderança: “Se alguém deseja ser supervisor, deseja uma nobre função. É necessário, pois, que o supervisor seja irrepreensível, marido de uma só mulher, moderado, sensato, respeitável, hospitaleiro e apto para ensinar; não deve ser apegado ao vinho, nem violento, mas sim amável, pacífico e não apegado ao dinheiro. Ele deve governar bem sua própria família, tendo os filhos sujeitos a ele, com toda a dignidade” (1Tm 3.1-3).

O padrão desta recomendação é deveras elevado. A atitude que recomenda podemos observar no próprio Paulo: a disposição de lutar consigo mesmo (“…esmurro o meu corpo e faço dele meu escravo, para que, depois de ter pregado aos outros, eu mesmo não venha a ser reprovado“ - 1Co 9.27) e para sofrer pelo evangelho (Ao convocá-lo o Senhor dissera: “Mostrarei a ele o quanto deve sofrer pelo meu nome” - At 9.16; cf. 2Co 11). Neste perspectiva devemos entender o incentivo apostólico: “Se alguém deseja ser supervisor, deseja uma nobre função” (1Tm 3,1).


  • A história da ovelha perdida nos ensina algo sobre pastoreio na igreja?
  • Quem olha pelo todo da sua comunidade?
  • Como podemos tornar-nos uma igreja em que se pastoreia cada ovelha?
  • Quem se dispõe à 'nobre função' de olhar por toda congregação?


P. Martin Weingaertner 
weingaertner.martin@gmail.com 
Faculdade de Teologia Evangélica de Curitiba

17 de fev. de 2014

Edição 26: Amor à vida e amor à Verdade

Uma novela chamada “Amor à Vida” está terminando. Sabemos que as novelas, principalmente aquela que vai ao ar no horário em que toda a família se encontra em casa, nos comunicam uma série de mensagens contrárias aos princípios bíblicos como: mentiras, traição conjugal, fornicação (sexo fora do casamento), adultério, prostituição, violência, etc. Porém, além dessas mazelas, “Amor à vida” enfatizou e transmitiu à família brasileira a ideia de que todos devem enxergar e aceitar, com toda naturalidade, o homossexualismo, o casamento gay e a formação de uma “família” com a adoção de filhos pelo “casal” gay.

Como sempre acontece nas novelas, tudo é programado e realizado dentro da mesma estratégia do Enganador (um dos nomes bíblicos do diabo): ideias transmitidas, com ou sem palavras, de maneira muito sutil, aumentando de intensidade gradativamente, temperadas com muito bom humor e envolvendo situações bem divertidas. Assim é feito para que a mensagem vá entrando bem devagar e repetitivamente no coração e na mente dos telespectadores a fim de não encontrar resistência e, depois de algum tempo, a mentira seja aceita como verdade e a verdade seja batizada de “preconceito”, “homofobia” ou outros termos considerados politicamente corretos.

No ano da Copa, podemos dizer que a Rede Globo, através dessa novela, fez mais um belo gol sobre os times das Igrejas Evangélicas e Católicas que professam o mesmo Novo Testamento, e por isso conhecem o Senhor e a verdade, mas que ainda aceitam passivamente todo o lixo televisivo que, diariamente, é despejado em nossos lares. A grande maioria de nós que batemos no peito nos identificando como cristãos, ao mesmo tempo, negligenciamos a ordem de Cristo para combater as mentiras deste mundo, vivendo e proclamando, com amor, as verdades da Palavra de Deus (a Bíblia), ainda que vá de encontro ao que parece ser normal para a sociedade. Porque está determinado que as novelas, as pessoas, o céu, a terra, tudo vai passar, “mas a Minha Palavra”, diz o Senhor, “permanecerá para sempre”.

A mensagem das novelas é sempre a mesma: “ame e aproveite a vida, de qualquer jeito, custe o que custar, usando as pessoas e aceitando qualquer tipo de amor”. A Bíblia, porém, nos diz que o convite do “Amor à vida” é incompleto e, por isso, perigoso. O verdadeiro amor à vida depende do amor ao Senhor Deus, o Criador da vida, que se revelou em Jesus Cristo, o qual nos alerta na Sua Palavra: “quem amar o mundo, a vida, a seu pai ou a sua mãe mais do que a Mim, não é digno de Mim.”

Quem aprende a obedecer a Palavra de Deus, por amor a Cristo, torna-se livre para amar a vida, pela certeza da vida eterna depois desta vida, e aprende a diferenciar a verdade da mentira assim como a mão direita da esquerda.

 Alexandre Fonseca de Melo
alexandrefonsecam@yahoo.com.br