Edição 14
21 de maio de 2013
Deveríamos apoiar o casamento homossexual?
Wolfhart
Pannenberg*
O amor pode ser pecaminoso?
Toda a tradição da doutrina cristã ensina que existe tal coisa como o amor
invertido, pervertido. Os seres humanos são feitos para amar, como criaturas de
Deus, que é amor. Contudo, essa designação divina é corrompida sempre que as
pessoas se afastam de Deus e amam as outras coisas mais do que a Deus.
Jesus disse: “Quem ama seu pai
ou sua mãe mais do que a mim não é digno de mim” (Mt 10.37). O amor a Deus precisa ter a precedência sobre o amor
aos nossos pais, embora o amor aos pais seja recomendado no Quarto Mandamento.
A vontade de Deus deve ser o
guia de nossa identidade e de determinarmos o que somos. O que isso implica
para o comportamento sexual pode ser visto no ensino de Jesus sobre o divórcio.
Para responder a pergunta dos fariseus sobre a admissibilidade do divórcio,
Jesus se refere à criação dos seres humanos. Nessa passagem, Jesus vê a Deus
expressando seu propósito para as suas criaturas: a criação confirma que Deus
fez os seres humanos como macho e fêmea. Por isso, o homem deixa seu pai e sua
mãe para se unir à sua mulher, e os dois se tornam uma só carne. Jesus conclui
disso que a permanência indissolúvel da comunhão entre o marido e a esposa é a
vontade do Criador para os seres humanos.
A comunhão indissolúvel do
casamento é, portanto, o alvo de nossa criação como seres sexuais (Mc 10.2-9). Visto que esse princípio
da Bíblia não está limitado a tempo, a palavra de Jesus é o fundamento e o
critério para todo pronunciamento cristão sobre a sexualidade, não somente
sobre o casamento em especifico, mas sobre toda a nossa identidade como seres
sexuais.
De acordo com o ensino de
Jesus, a sexualidade humana como macho e fêmea é destinada à comunhão
indissolúvel do casamento. Esse padrão dá essência à doutrina cristã a respeito
de todo o âmbito do comportamento sexual. No todo, a perspectiva de Jesus
corresponde à tradição judaica, embora sua ênfase sobre a indissolubilidade do
casamento vá além da estipulação quanto ao divórcio na lei judaica (Dt 24.1).
Os judeus compartilhavam da
convicção de que homens e mulheres, em sua identidade sexual, foram planejados
para a comunidade do casamento. Isso também explica a avaliação do Antigo
Testamento quanto aos comportamentos sexuais que se afastam dessa norma, incluindo
fornicação, adultério e relações homossexuais. As avaliações bíblicas da
prática homossexual são inequívocas em sua rejeição, e todas as suas afirmações
sobre este assunto são concordantes, sem exceção. O Código de Santidade, em
Levítico, afirma incontroversamente: “Com homem não te deitarás, como se fosse
mulher; é abominação” (Lv 18.22). Em
Levítico 20, o comportamento homossexual é incluído entre os crimes que merecem
a pena capital (Lv 20.13); é
significativo que isso também se aplica ao adultério no versículo 13. Nesses
assuntos, o judaísmo sempre se reconheceu distinto das outras nações.
A mesma distinção continuou a
determinar a posição do Novo Testamento quanto à homossexualidade, em contraste
com a cultura helênica que não via ofensa nas relações homossexuais. Em
Romanos, Paulo inclui o comportamento homossexual entre as conseqüências de
rejeitar a Deus (Rm 1.27).
Em 1 Coríntios, a prática
homossexual é categorizada ao lado de fornicação, adultério, idolatria,
avareza, bebedeira, furto e roubo como um comportamento que impede a
participação no reino de Deus (1Co
6.9-10). Paulo afirma que por meio do batismo aquelas pessoas foram
libertas de seu embaraço em todas essas práticas (1Co 6.11).
O Novo Testamento não contém
uma única passagem que possa indicar uma avaliação mais positiva da atividade
homossexual para contrabalançar essas afirmações de Paulo.
Assim, todo o testemunho da
Bíblia inclui a prática da homossexualidade, sem exceção, entre os
comportamentos que expressam, de modo impressionante, o fato de que a
humanidade se afastou de Deus. Esse resultado exegético coloca limites bem
estreitos no ponto de vista sobre a homossexualidade para qualquer igreja que
está sob a autoridade das Escrituras. E as afirmações bíblicas sobre este
assunto expressam a conseqüência negativa em relação às opiniões bíblicas
positivas sobre o propósito da criação do homem e da mulher, em sua
sexualidade. Essas passagens bíblicas que são negativas em relação ao
comportamento homossexual não estão lidando apenas com opiniões secundárias que
poderiam ser negligenciadas sem prejuízo da mensagem cristã como um todo. Além
disso, as afirmações bíblicas sobre a homossexualidade não podem ser
relativizadas como expressões de uma situação cultural que hoje está
ultrapassada.
Desde o início, o testemunho
bíblico se opôs deliberadamente às pretensões de seu ambiente cultural, em nome
da fé no Deus de Israel, que na Criação designou o homem e a mulher para uma
identidade específica. Os defensores contemporâneos de uma mudança na opinião
da igreja a respeito da homossexualidade argumentam constantemente que as
afirmações bíblicas desconheciam a importante evidência antropológica moderna.
Essa nova evidência, dizem eles, sugere que a homossexualidade tem de ser
considerada um constituinte da identidade psicossomática de pessoas
homossexuais, completamente anterior a qualquer expressão homossexual
correspondente. (Por questão de clareza, é melhor falarmos aqui deinclinação
homófila como algo distinto da prática homossexual.) Esse fenômeno ocorre não
somente em pessoas que são homossexualmente ativas. Mas a inclinação não
precisa ditar a prática. É característico dos seres humanos que nossos impulsos
sexuais não estão confinados a determinada esfera de comportamento; eles
permeiam nosso comportamento em todas as áreas da vida. É claro que isso inclui
os relacionamentos com pessoas do mesmo sexo. Contudo, exatamente pelo fato de
que estímulos eróticos estão envolvidos em todos os aspectos do comportamento
humano, somos confrontados com a tarefa de integrá-los a toda a nossa vida e
conduta.
A existência de inclinações
homófilas não leva automaticamente à prática homossexual. Pelo contrário, essas
inclinações podem ser integradas numa vida em que elas são subordinadas ao
relacionamento com o sexo oposto; e nesse relacionamento a atividade sexual não
deve ser o centro todo-determinante da vida e da vocação humana. Como salientou
corretamente o sociólogo Helmut Schelsky, uma das realizações primárias do
casamento, como instituição, é o seu engajamento da sexualidade humana no
cumprimento de tarefas e objetivos ulteriores. Portanto, a realidade de
inclinações homófilas não precisa ser negada e não deve ser condenada. Todavia,
a questão é como lidar com essas inclinações no âmbito da tarefa humana de
dirigirmos responsavelmente nosso comportamento.
Esse é o verdadeiro problema;
e, nesse ponto, temos de concordar com a conclusão de que a atividade
homossexual é um afastamento da norma quanto ao comportamento sexual que foi
dado ao homem e à mulher como criaturas de Deus.
A igreja deve ter essa
postura não somente no que diz respeito à atividade homossexual, mas também a
qualquer atividade sexual que não expresse o alvo do casamento entre um homem e
uma mulher, em especial, o adultério. A igreja tem de conviver com o fato de
que, nesta área da vida, como em outras, afastamentos da norma não são
excepcionais, mas comuns e ocorrem em todo o mundo.
A igreja tem de confrontar todos os que estão interessados
em tolerância e entendimento, mas também deve exortá-los ao arrependimento. Ela
não pode abandonar a distinção entre a norma e o comportamento que se afasta da
norma. Este é o limite de uma igreja cristã que se reconhece sujeita à
autoridade das Escrituras. Aqueles que instam a igreja a mudar a norma de seu
ensino sobre este assunto precisam saber que estão promovendo cisma. Se uma
igreja se permitisse chegar ao ponto em que cessaria de tratar a atividade
homossexual como um afastamento da norma bíblica e reconheceria uniões
homossexuais como companheirismo pessoal de amor equivalente ao casamento, essa
igreja não estaria mais firmada no alicerce bíblico; antes, ela estaria contra
o testemunho inequívoco das Escrituras. Uma igreja que tomasse esse passo
deixaria de ser a igreja una, santa, católica e apostólica [com sentido de
"Universal". Originalmente se aplica a idéia de uma igreja global,
que é parte do todo cristão.
* Wolfhart Pannenberg é um dos maiores teólogos
protestantes contemporâneos. Nasceu no ano 1928 na cidade de Stettin, Alemanha
e foi batizado na igreja luterana. É considerado um teólogo da história, pois
considera que a realidade histórica tem prioridade sobre a fé e o raciocínio
humanos. Em sua reflexão, Pannenberg busca superar a marginalização da fé e da
teologia em relação à razão moderna. A Teologia Sistemática de Pannenberg
(Publicada em 3 volumes no Brasil pela editora Paulus) é considerada
a melhor teologia sistemática do século 20. Em
dezembro de 2008, a Universidade de Munique listava 645 publicações acadêmicas
de sua autoria. Não concordamos com todos os aspectos da elaboração teológica
de Pannenberg, porém publicamos este excelente texto por sua ênfase bíblica
clara sobre o tema. Traduzido para o
português por F. Wellington Ferreira. Fonte:
Contato:
P. Joel
Schlemper
joelschlemper@gmail.com
Editorial: O
Boletim Virtual Luteranos em Movimento é organizado por um grupo de ministros da IECLB e tem por objetivo a reflexão e a Formação
Cristã Continuada para dentro da igreja de Jesus.
A edição é quinzenal e pode ser usado tanto para a reflexão pessoal
como em grupos de estudo. É livre para distribuição.